08 fevereiro 2011

Nas entranhas da mente no balé e na piscina

Não foi dessa vez que Natalie Portman me fez ir ao psicólogo.

Em duas ocasiões anteriores ("O Profissional" e "Star Wars"), essa israelense, nascida em Jerusalem e criada em New York, me deixou pensando em coisas além filme e que são capazes de levar muita gente a buscar ajuda psiquiátrica. Em "Cisne Negro" fiquei preocupado, um amigo gay assistiu ao filme e se apaixonou por Portman, logo imaginei que ela havia preparado também algo para mim. Mas nada aconteceu.

Reconheço que Portman está muito bem no filme, mas para não fazer meus holofotes caírem somente nela, gostaria de comentar acerca de um dos pilares fundamentais de "Cisne Negro": a perfeição. A força do filme está na concepção visual dos emblemáticos distúrbios manifestados na mente debilitada de uma bailarina que busca a perfeição plena.

Compartilhar a trajetória da personagem de Portman no filme é muitas vezes sufocante. Como já feito anteriormente em suas obras, o diretor Darren Aronofsky nos coloca num desgovernado carrinho de montanha russa. A impressão que dá é que no início do filme estamos à beira de um precipício e logo alguém nos empurra ladeira abaixo e o abismo parece sem fim.

Hoje vivemos num mundo inteiramente midiático. O que vale no entretenimento é o espetáculo, é a possibilidade visual de vivermos uma experiência intensa. Ser aplaudida de pé com todas os louvores possíveis é um reconhecimento que faz valer todo e qualquer, mas qualquer mesmo, esforço de uma bailarina que busca a excelência. Sinto que o filme explora uma reflexão mais profunda sobre esses valores atuais do preciosismo perfeito na arte, no entretenimento e por que não, no esporte.

Pequim, Olímpiadas de 2008. Michael Phelps já era a lenda viva no Cubo D'água e na História dos jogos olímpicos. O mundo inteiro assistia à sua perfeita performance na piscina com as melhores imagens geradas para uma competição de natação, um espetáculo, sem dúvida. Quando ele disputou os 200m nado borboleta, chegou em primeiro, ganhou sua terceira ou quarta medalha e bateu recorde. Porém, assim que encostou a mão na borda da piscina, ele tirou seus óculos com toda a força, os arremessou na água e a sua expressão era de revolta em alto grau. Havia entrado água em seus óculos.

Phelps terminou a prova com o tempo de 1min52seg03 (recorde mundial), mas se não fosse a falha em seus óculos, ele teria atingido o que buscava, que era a marca de 1min51seg. Não é difícil imaginar que nos últimos 50 metros de piscina sua mente deveria estar produzindo tantos distúrbios quanto aqueles em volta de Natalie Portman durante sua apresentação final. A perfeição estava em jogo.

A partir dessa característica de "Cisne Negro", acredito que a arte, assim como o esporte, esteja superando algumas barreiras delicadas. A exigência de superação parece desumanizar e destruir bases emocionais necessárias para uma existência pacífica de um ser humano consigo mesmo. Talvez esse seja o caminho natural e pouco se possa fazer para evitá-lo, mas atenção e cuidado nunca são demais.

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