23 dezembro 2009

Jacaré com pimenta

Tempo nublado em João Pessoa, a charmosa capital paraibana, e às margens de um rio o dia termina cercado por uma brisa que transmite muita paz ao mesmo tempo que vemos ao longe nuvens negras de fumaças e o laranja das colunas de fogo nas plantações de cana.

E é ao lado desse rio, cercado de barracas que servem comidinhas regionais, que encontramos Sílvio, o Sílvio da Pimenta, da pimenta Sabor da Paraíba, marca criada por ele para a sua fabricação caseira-industrial de molhos de pimenta; se não me falha a memória, são oito funcionários em sua pequena empresa, todos parentes.

Sem bigode ele veio de São Luiz, no Maranhão, se instalou em terras paraibanas e com fornecedores devidamente bem escolhidos produz pimentas que curam.

Curam por diversos motivos como pode ser visto no cartaz de sua barraca, a qual está inserida na moderindade consumista pois permite aos clientes o pagamaento com cartão. O fator antioxidante do produto é o que chama mais atenção, a força em retardar ou impedir que o envelhecimento nos chegue com antecedência é o carro chefe de sua bem humorada propaganda.

O humor e a versatilidade em contar histórias curandeiras transformam Sílvio em um cara peculiar, pois, segundo ele, serão os efeitos dos seus molhos de pimenta que o levarão a uma ascensão empreendedora.

Empreendedorismo que o Sebrae solicitou que ele expusesse após uma palestra do sempre internado vice José de Alencar, mas Sílvio cobrou o equiavelente a dois dias de seu trabalho na produção dos molhos, pois falar a futuros bem ou mal sucedidos microempresários lhe afastaria de sua principal renda. O Sebrae não topou o valor.

A sua barraca é o seu centro do mundo, ele pode enviar, por correio, para todos os cantos do país, mas atendimento pessoal, só ali, ao lado de uma estátua canhestra de um Jacaré, que não saboreia a pimenta de Sílvio mas compatilha toda sua desenvoltura em fazer convencer de que a pimenta Sabor da Paraíba pode sim levar a uma vida saudável os mais diversos organismos que se aventuram em despejá-la sobre seus alimentos.

Sílvio, apesar de ser expansivo em suas demosntrações, cada um que prova sua pimenta logo é aliviado com um refresco de cor amarela estrategicamente preparado para suavizar o paladar dos menos preparados, ainda é um coadjuvante entre as atrações das margens do Rio Jacaré, mas tem o sempre bom elemento sonhador.

Particularmente gosto de cruzar com pessoas assim pelo caminho, mesmo sem gostar de pimenta e procurar outras fontes atioxidantes.

22 dezembro 2009

Psicodelia à vista: em paz com o jacaré, Capitão Gancho sorri para o mundo

O que significa sorrir para o mundo?

Ter a causa ganha?
Levar a vida num sossego absoluto e chamá-la de mais ou menos?
Ou ainda, ser o humilde capitão de um barco em águas calmas?

Estamos de frente para um paraíso chamado Praia dos Carneiros, no litoral pernambucano, até que um moreno homem de estatura mediana e com um boné de listras azuis e brancas se aproxima e se apresenta como Capitão Gancho, o responsável por um prazeiroso passeio ao redor da praia cujo trajeto incluía piscinas naturais nos arrecifes, banhos em um banco de areia, argila para rejuvenescer a pele, visita a uma igreja do século XVIII e conhecer um jacaré.

O barco zarpa, e possuidor de duas mãos em perfeito estado, o gancho do capitão está nos dedos de seus pés, que conduzem a manivela do motor de popa.

O passeio nos faz sentir que ali é o centro do mundo, e o nosso Capitão, assim como o algoz homônimo da Terra do Nunca, amendontra seus pequenos passageiros com leves sustos ou pegadinhas, e sempre avisando que em breve veremos o jacaré sem deixar de ressaltar que não poderíamos, em hipótese alguma, passar a mão sobre o réptil.

E o sorriso do Capitão Gancho é largo, todo esticado para nos mostrar que ali a sua causa é ganha, como não cansa de nos informar. Me chamando de comandante ele faz questão de mostrar cada pedaço daquela natureza que para ele é uma dádiva, considerada por alguns outros piratas como a terceira melhor praia do Brasil, o que ele discorda com muita facilidade, pois em sua convicta percepção é a primeira, sem dúvida.

Damos a meia volta logo após o marco da batalha entre portugueses e holandeses, na qual os lusitanos levaram a melhor, e o Capitão estica a coluna e nos diz para nos prepararmos para ver o jacaré, chegou o momento.

Ele aponta e o jacaré surge diante de nossos olhos, gigantesco, como se tivesse viajado desde a Terra do Nunca para ser companheiro desse Capitão Gancho nessa nossa viagem. Ele é imenso e sua boca está aberta, não para nos engolir, mas para saudar tudo em volta.

Abrimos nossos sorrisos, pois o que parecia ser mais uma brincadeira do Gancho, era na verdade a mais séria forma de se divertir. Lembre-se de Peter Pan que fez seus amiguinhos voarem com a força da imaginação. Assim é que se descobre os centros mais belos do mundo como Carneiros.

A últiima parada na pequena igreja construída entre os coqueiros foi espiritual, uma reza de agradecimento e conciliação.

A viagem terminou, mas sorrir para o mundo sempre será uma constante, assim nos ensinou o Capitão Gancho, que pode estar longe da Terra do Nunca, mas não do seu jacaré que de boca aberta não o engole, apenas sorri junto com ele.

Psicodelia à vista: bem ali perto de Carneiros está ancorado o Submarino Amarelo.

14 dezembro 2009

Rio próximo

É necessário olhar o rio de frente!
A sensação é nítida, Manaus vira as costas para o Rio Negro.

Nos últimos dois anos visitei a cidade em cinco ocasiões e foi possível perceber que Manaus está cada vez mais abandonada, feia, suja, caótica e violenta. Sei que isso não é nenhuma novidade quando se trata de uma grande cidade brasileira, mas gostaria de falar sobre isso em torno da relação da Manaus com o Rio Negro.

Morei em Manaus até os 17 anos e o rio sempre estava associado ao lazer, na verdade aos raros lazeres, pois não frequentava a praia da Ponta Negra e os passeios de barco eram bem escassos. Com a exceção de um ano, todo esse período foi vivido em bairros afastados do rio. O meu relacionamento com as águas escuras do Rio Negro era distante.

Um outro fator curioso é que enquanto criança não fui educado para olhar para o rio, entendê-lo como parte importante da cidade e me orgulhar desse gigante espetáculo da natureza. Não lembro uma vez sequer do Rio Negro ser objeto de algum tipo de assunto. Vivi uma infância urbana em meio ao asfalto, concreto e bairros pouco arborizados, apesar de me encontrar no coração da selva amazônica.

Será que eu era uma exceção entre muitas crianças?

Não sei...

Quando se navega pelo Rio Negro margeando a cidade de Manaus, percebe-se uma ofensa. Nenhum plano urbano para a orla, são construções improvisadas, sujeira e alguns estaleiros.

É uma cidade inteira de costas.

O desenvolvimento urbano de Manaus está custando muito caro, é uma das cidades com maior movimentação de dinheiro no país, investimentos crescem a cada ano e os olhos internacionais sempre muito atentos a tudo que ali acontece, mas a noção de convívio social adequado não consta em nenhuma das pautas. A maioria das pessoas vive mal, se transporta pessimamente e não possui nenhum refresco visual, apesar das recentes iniciativas de parques e espaços culturais. Acredito que falta agregar mais valor ao sentimento do manaura por sua cidade.

Um sentimento que não parta do ufanismo e sim para valorizar o espaço público, assim como a natureza serviu de alicerce para Gaudí conceber todas as suas obras, ela também poderia ter sua harmonia respirada dentro dos limites urbanos de Manaus.

Que as obras para a copa do mundo não sejam as únicas esperanças de melhorias na urbanização da cidade, e que os olhos se voltem para o rio, pois ele é tão humano quanto nós com a riqueza de nossas nuances. Ele seca, depois enche, depois seca só um pouquinho, enche de novo...

13 dezembro 2009

Sequelas

Identifico a importância de um filme com as sequelas que ele provoca em cada espectador, principalmente quando as dubiedades e incertezas se concretizam como os elementos chave. Ontem, 12 de dezembro de 2009, vivi uma maratona Woody Allen assistindo aos filmes Desconstruindo Harry, Tiros na Boradway e Setembro, da qual saí com uma vontade de externar algumas percepções.

Longe de buscar uma unidade entre os três filmes, refleti sobre a participação de nós mesmos em nossos objetivos pessoais. O desejo de ser único e ter a sua personalidade reconhecida é comum no mais comum dos homens, a partir daí podem surgir verdadeiras sagas em busca do mais nobre reconhecimento. Em função de que?

Quando ao fim de sua trajetória, o personagem principal de Tiros na Broadway conclui que não é um artista após tentar se firmar como tal ao longo de todo o filme, talvez ele lance um desafio presente nas duas outras obras de Allen, até que ponto devemos insistir em ciar algo ou superar certos limites?

A busca por certezas e afirmações consome uma energia considerável e acredito que talvez seja mais desafiador pisar em terrenos mais misteriosos. Os três filmes me fizeram pensar sobre isso, pois apesar de personagens bem desenhados e extremamente consistentes dentro das narrativas dos filmes, todas suas histórias de vida parecem ricas em incertezas.

Quando a dificuldade do escritor Harry, em Desconstruindo Harry, se concentra na sua relação com os próprios personagens, pois todos têm sua gênese na realidade, os significados da criação parecem se perder completamente, pois as complexidades das pessoas não conseguem ultrapassar os limites entre ficção e realidade. E são essas complexidades que Allen nos apresenta sem julgá-las ou defini-las, cada personagem é para cada espectador um poço de questões.

Em 2009, tive duas idéias para a realização de documentário, porém não levei a cabo nenhuma delas, apesar de um envolvimento intenso com cada assunto, um deles, inclusive, faz parte de leituras quase diárias. Não acredito que são projetos totalmente arquivados, mas hoje os vejo como assuntos pessoais e que a minha própria investigação em cima de cada um deles me favorece para amadurecer as minhas concepções sobre os mesmos.

Um amdurecimento que pude apreender ao assistir Setembro, pois as complexas relações entre os personagens e suas dificuldades de superação exemplificam de forma mais crua as peripécias pelas quais passam os personagens de Harry e Tiros na Broadway. A casa de campo representa um confinamento pessoal que exige de cada um a verdade sobre si mesmo. Eis aí a minha sequela.

Não sou exigente comigo mesmo, mas às vezes caio num terreno murado por todos os lados e fico horas e dias na tentativa de pular esse muro. Descobri então que tenho que evitar a queda nesse terreno, pois a criação e a satisfação pessoal se encontram num terreno superior, sem muros e limites, mas precisamos ter cuidado para não dar o passo em falso.

05 dezembro 2009

Londrina, meia-noite

Estava no banco ao fundo do ônibus, desceria no metrô Clínicas e do lado de fora, após uma gigantesca nuvem negra cobrir o céu paulistano, despencava uma torrencial chuva que não somente iria fazer a metrópole parar com engarrafamentos colossais como também deixaria um saldo de 6 mortos nas manchetes dos jornais do dia seguinte.

Meu destino: A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, com projeção em 35mm no CCBB.

Desci do ônibus numa parada próxima à entrada do metrô. Apertado entre outros cidadãos que esperavam seus coletivos divaguei se corria ou não à estação. O relógio do celular me informou que eu deveria correr.

Corri.

Resultado: Encharcado.

Naveguei pelos túneis do metropolitano com a camisa grudada no corpo, mas com a certeza de que em minutos estaria frente a frente com um dos meus top 5 de Allen. Desembarquei no metrô São Bento e com um guarda-chuva de cinco reais comprado ali mesmo, percorri as calçadas do centro de São Paulo e com a úmida roupa me sentei na poltrona do cinema. A sessão atrasara e o meu atraso não me fez perder nenhum fotograma.

A Rosa Púpura do Cairo tem pra mim um valor sentimental muito forte por dois motivos, o primeiro pela sua esplêndida valorização dessa relação do cinema com nossos imaginários, a imersão em mundos que nos completam de certa forma. Quando criança, por tantas vezes desejei que a princesa Leia saisse das telas para os meus braços e por outras tantas desejei que eu entrasse na tela para ser um jedi nos braços dela. Woody Allen soube com maestria traduzir tudo isso. O segundo motivo tem a ver com Sigourney Weaver, mas aí o relato será num texto em breve, visite sempre o Tyler Durden Fora do Caos.

Assistir ao filme pela primeira vez em película me fez perceber algo muito interessante, as cenas em preto e branco que se referem ao filme do personagem rebelde são extremamente vivas, um nítido contraponto à realidade marrom e escura da protagonista chamada Cecília (Mia Farrow). É uma luz que talvez nosso mundo real não consegue apreender. É poeticamente rica a cena final em que Cecília ressuscita seus ânimos com essa luz que vem da tela.

Guarda-chuva aberto, cidade parada, e caminhei até minha casa atravessando a Sé e o bairro da Liberdade refletindo sobre o filme e outras coisas, foi bem agradável.

Deixei a mochila em casa e resolvi também deixar o guarda-chuva, parti para mais uma missão cinematográfica e novamente molhei a camisa no trajeto até o metrô.

Cheguei sem muitos problemas na abertura da Retrospectiva do Cinema Brasileiro no CineSESC e assisti ao doc Crítico, de Kleber Mendonça Filho. Bons depoimentos, edição eficiente e o filme traz uma curiosa investigação em torno do universo de crítica cinematográfica.

Foi um dia de caos urbano em São Paulo e fui dormir com vários pensamentos, busquei reuni-los no que costumo expressar como experiência cinematográfica. A sala escura e a luz rebatida te envolvem de um tal modo que a duração de um filme é o espaço dessa experiência única de absorver um universo que não nos pertence e que conseguimos, na maioria das vezes, digerir toda sua lógica. E o resultado obviamente depende de cada um.

O filme de Kleber apresenta isso através do que é possível produzir com reflexões e opiniões em torno de um filme e suas possíveis conseqüências, enquanto Woody Allen me mostrou o poder da luz revigorando uma Cecília imersa num poço de frustrações.

Dia seguinte. Londrina, meia noite.

Dentro da programação da Mostra Londrina de Cinema um filme surpresa, Death Proof, de Quentin Tarantino.

A medida que o filme avançava, a minha sensação era de vivenciar uma epifania, o cinema parecia estar se reinventando, mas não estava, dessa vez não eram as águas das nuvens de São Paulo que me encharcavam, eu estava mergulhado num mar de possibilidades para o meu imaginário, aquela frágil Cecília não é parte de uma ficção, ela existe, e o cinema se revela não mais como limite de nossas inundadas realidades, ele rompe todas as fronteiras, amplia o possível.

Não somente os dublês estão à prova da morte.

12 outubro 2009

Sem braços em Paraty

Viagem.
O que pode siginifcar uma viagem?
Marcelo Gomes e Karim Ainouz nos respondem a essa pergunta com um poético filme cuja narrativa é capaz de jogar intensamente com as mais inquietantes reminiscências.

Desse jogo eu participei sentado numa escada de madeira numa chuvosa noite de sábado. Cheguei atrasado e o Cine Teatro Paraty estava tomado para a experiência de "Viajo porque preciso, volto porque te amo". Cada estrada, cada pensamento e personagem iluminava não somente um pedaço da consciência mas trazia um balde de água para ser derramado sobre as minhas incertezas acerca do que se é capaz de elaborar com a narrativa cinematográfica.

O assento duro da escada incomodava, mas a tela do cinema utilizava toda sua gravidade para me deixar cada vez mais sentado. O filme termina e a perceção mais imediata é que o fim sempre se aproxima.

Eis que chega ao fim também o Festival de Cinema de Paraty, que na sua segunda edição fez de sua programação algo muito único pela sua variedade mas também por abrir um diálogo com o cinema que se faz tão próximo. Recentemente questiono muito se existe um esgotamento das narrativas nos filmes, mas cada vez mais percebo que preciso realmente definir a palavra esgotamento, pois o fim da linha surge e a reação mais necessária é fazer surgir um novo começo.

Longe desses pensamentos sentei para assistir ao City Island na sessão de abertura, na qual minha observação mais contundente era a ausência de braços nas poltronas do Cine Teatro Paraty, uma charmosa sala de exibição à espera de uma revitalização completa. Muito próximo dessas e de outras reflexões deixarei Paraty, gostei da visita.

Preciso viajar porque o cinema está ao redor, volto porque amo tudo ao redor.

30 setembro 2009

O dia em que os feriados acabaram

Com mochila nas costas e sentado num banco de plástico vermelho. Era assim que eu estava comendo um delicioso pastel no Pastel da Maria.

Estádio do Pacaembu ao fundo, garoa fina e clima frio.
Curioso para quem poucos dias antes desfrutava do calor e sol potiguares, mas nada de reclamar, pois com certeza essa terça-feira ficará guardada de forma feliz junto com outras boas lembranças.

Finalizei meu gelado suco de uva, paguei e deixei para trás a barraca da Maria, que naquele momento estava nos preparativos para uma entrevista ao vivo na Band. Me dirigi ao estádio, mais especificamente ao Museu do Futebol para falar com Luciano, responsável pelos eventos no museu, sobre as sessões do programa "Unidos na Paixão" dentro da programação de aniversário de um ano desse local que se tornou uma parada obrigatória a todos que visitam nossa cidade.

Após acertar os detalhes fui conhecer o museu.
Pois é, declaradamente fã de futebol, morador de São Paulo, o Pacaembu é perto tanto da minha casa quando do meu trabalho, e ao longo de um ano eu nunca havia entrado ali. Mas enfim, essas coisas acontecem. Obviedades e pragmatismos são assuntos do século passado (aquele chamado vinte).

Da entrada ao final, a experiência no museu é muito particular.

E a terça-feira se tornou única pelo momento que vivi à frente de uma tela na qual o visitante pode escolher um gol para ver ou rever, sempre comentado por alguma figura do meio boleiro. De primeira escolhi Flamengo 1 x 0 Vasco na final do carioca de 1978, que deu início a um dos períodos mais cheios de glórias do meu mengão, e é sempre bom ver o vicevasquinho tomar gol. Em seguida o gol do Nunes na conquista do primeiro brasileiro em 1980 (Flamengo 3 x 2 Atlético/MG). Por fim resolvi ver o gol do italiano Paolo Rossi na derrota brasileira na Copa da Espanha.

Segundos depois meus olhos estavam úmidos.

Se existe uma recordação de infância marcante, sem dúvida foi aquela segunda-feira 5 de julho de 1982. A partir do ponto de vista de um garoto de 7 anos, tudo em volta era euforia naquela copa, a primeira da qual me lembro. A festa havia começado bem antes do mundial, todos falavam da seleção e a minha ansiedade em saber como era uma copa crescia a cada dia. Começa o torneio, ruas pintadas, tudo colorido e os dias de jogos da seleção eram feriados na essência.

Até que chega o jogo contra a Itália.

Ver novamente aquelas cenas no museu me jogou diretamente para a casa no bairro do Vieralves em Manaus, onde eu estava com a minha mãe e outros amigos dela. O Brasil passava sufoco, mas era o Brasil de Falcão, cuja comemoração do gol de empate é a imagem mais marcante que tenho, com ele eu gritei e pulei assim como todos em minha volta, a seleção chegaria lá. Não chegou.

O gol de Paolo Rossi era inaceitável. Um silêncio estranho.

Terminou o jogo e tudo era esquisito, não parecia real. Eu não conseguia me acostumar com a idéia que não haveria outro jogo do Brasil naquela copa.
Os feriados acabaram!

O vídeo também acabou e eu fiquei parado por um breve momento, era minha infância revisitada de uma forma diferente. Uma época distante, que pertence ao século chamado vinte, assim como aquela copa.

E na ansiedade de ter uma copa muito mais perto de mim em 2014, saí do museu com a plena convicção de que muita coisa vale a pena nessa existência, não importa o século.

21 setembro 2009

Goiamum: primeiras noites

Já passam das 21h de um domingo, e ao ar livre um grupo de pessoas discute vários temas ligados a um documentário chamado "Sangue do Barro", de Fábio DeSilva e Maryland Brito, que foi exibido ali em praça pública. Esse vídeo é uma produção do Rio Grande do Norte para o DocTV e é sobre um fato que aconteceu em uma cidade do interior potiguar onde um homem chamado Genildo fez uma chacina e matou 14 pessoas. O debate é caloroso principalmente por levantar a questão da homofobia, que aparece no documentário como um das possíveis motivações de Genildo, cujos rumores na cidade de que ele havia largado a esposa por ser homossexual lhe causaram transtornos que resultaram na matança.

Noite de segunda. Mesma praça.
Na tela trechos de "A Idade da Terra" de Glauber Rocha, e um senhor, que se protege do sereno utilizando uma curiosa cartola verde amarela, trafega entre as cadeiras para o público e, por algumas vezes, passa em frente ao projetor gerando na projeção lindas silhuetas negras de sua cartola. Até que surge na obra de Glauber Rocha Antônio Pitanga totalmente desnudo pulando de cima de uma árvore. Eis que a Cartola Negra se fixa na Tela Branca. Escondendo em alguns raros momentos o sexo de Pitanga, o nosso personagem da cartola se transforma também em uma das enigmáticas e alegóricas criações de Glauber. Pedro, um entusiasmado jovem organizador do Goiamum, se aproxima do homem da Cartola, não sabe o que fazer, trocam algumas palavras, mas o homem continua em frente ao projetor e a Cartola Negra continua na tela. Pedro desiste e depois de mais um tempo o homem que interagiu com Glauber também desiste, segue seu caminho e sua cartola verde amarela continua em sua cabeça recebendo o frescor do sereno de Natal.

Exibição ao ar livre tem seu charme, e em Natal não poderia ser diferente com o Goiamum Audiovisual, que tem uma peculiar energia. Energia que vem de um lado pelo Cineclube Natal, responsável em pensar a programação, e por outro lado com a Zoon, uma produtora local muito antenada com novas alternativas de desenvolver o audiovisual no estado. Junção bem desenhada e que promove uma diversificada malha de atividades ao longo de duas semanas na capital potiguar.

O telefone tocou, hora de ir para mais uma noite ao ar livre.

19 setembro 2009

Lagoa

O sol cansava a vista, toda a luz daquele momento parecia conspirar contra qualquer possibilidade de lucidez.

Um rei esperava a sua rainha. Mas que tipo de distância os separava? O rei sabia que em algum momento praticou o pior tipo de soberania sobre os protegidos de sua rainha. Fez tratados sórdidos, trocou favores escusos e tramou contra a vida de muitos que apenas tinham a própria existência como moeda de troca.

A rainha sentia o peso da humilhação.

Enxugou o suor de seus seios e ficou parada debaixo de uma árvore, seus pés latejavam de dor. Resolveu não mais seguir. Não conseguia imaginar a distância naquele momento. A rainha descansou e quis não acreditar que seu sono acontecia longe de seus ricos e confortáveis leitos, mas tudo era mais forte.

O rei mordia os próprios lábios. Na sua mão suada um pedaço de papel que ele desejou nunca ter existido começava a se umedecer. Nas linhas escritas às pressas estava uma grave advertência: que o rei não tentasse nenhum resgate, ela tiraria a própria vida.

Dramático mas honesto, pensou a rainha.

Ao acordar lembrou de cada linha que escrevera. O sol ainda ardia em sua nuca e quis refrescar os pés. Como encontraria uma lagoa naqueles rincões do reino? Não sabia o que fazer e lembrou de um provérbio que escutara quando era criança.

“A única distância entre você e o paraíso é o piscar dos seus olhos, e quando esse piscar tem a duração de um sonho, descobres que o paraíso também envelhece”.

Ela voltará, repetia o rei. Nunca se soube de onde ele tinha isso como certo, talvez a sua loucura estivesse nas suas certezas. E todos dizem que quando o sol se escondeu atrás das nuvens e um leve frescor surgiu no enorme salão, o rei gritou e expressou sua raiva golpeando fortemente sua cabeça contra a mesa de madeira.

Seguindo a trilha de sua fuga, a rainha caminhou em passos apressados. Nenhum cansaço lhe tiraria a determinação de encontrar a lagoa para seus pés. Molhou um lenço em sua testa e o sugou com toda a força de sua boca.

No salão do reino uma espessa mancha de sangue escorria pela mesa.

Na frente dos olhos da rainha nenhum paraíso surgia.

O reino estava sem herdeiros.

E por longos séculos uma rainha foi vista vagando pelos cantos mais remotos daquele reino. Sempre em dias de forte sol e calor.

05 setembro 2009

Flerte de um silêncio

Costumava ser uma sombra
Flertou com uma brisa
E o silêncio de uma dor surgiu

Suportou

Ali havia esperança

03 setembro 2009

Água Provinciana

Um carro pára na chuva, o motorista olha pelo retrovisor e vê a pista seca, ele dá ré até o local seco e resolve descer do carro. Ele encontra um guarda-chuva e vê seu carro indo embora, sozinho.

A chuva dá ré e o motorista começa a correr, a chuva tenta alcançá-lo quando de repente ele vê o seu carro vindo em sua direção.

Ele abre o guarda-chuva e corre na direção do carro, mas o carro vai freando até parar bem na frente dele. Ofegante, ele olha para trás e percebe que não tem mais chuva, fecha o guarda-chuva e entra no carro. Quando ele dá a partida começa a chover intensamente somente dentro do automóvel.

30 agosto 2009

O limbo de MK

MK sabia que estava muito perto de todos que queria encontrar, mas por algum motivo não entrou na rua certa. Eram 16 horas e MK tinha exatamente cinco minutos para chegar, caso contrário ficaria de fora.

MK sempre gostou de ser pontual, mas naquele dia isso falharia, pois na noite anterior estivera nos fundos de um bar, rindo à toa e com os olhos fixos num objetivo muito claro, mas nada aconteceu e foi pra casa com a certeza de que havia sido mais uma noite perdida. É incrível imaginar o quanto de nosso tempo passamos mergulhados em uma busca frenética, MK acordou com esse pensamento.

Os cinco minutos se passaram e MK resolveu usar seu celular, tentou explicar mas de nada adiantou. Todos lhe escaparam por conta de uma pontualidade idiota, assim a definiu MK.

MK não conseguiu alcançar dois desejos em menos de 24 horas, sentia que tudo lhe parecia um limbo, de onde não conseguia sair, desejou desabafar com alguém. Mas seria impossível obter uma real compreensão de qualquer interlocutor. Calculou que o seu desejo da noite anterior era mais forte que o daquela tarde, sabia ainda que esse último não foi alcançado por conta do primeiro.

Porém tudo era realmente um limbo, as ruas se entrelaçaram à frente de MK e o fim de tarde lhe parecia assustador, não queria mais estar ali. MK usou novamente o celular, pediu ajuda e se tranquilizou momentaneamente até descobrir que o auxílio demoraria pelo menos três horas para chegar.

Um gosto amargo apareceu na boca de MK.

Muitos carros circulavam na pequena via em que se encontrava, o barulho lhe incomodava, diferente do ensurdecedor vozerio da noite anterior naquele bar escuro e apertado. O limbo parecia uma estufa de teto baixo, sufocante pela sensação de estar longe de tudo, MK descobriu que a sua solidão alcançou um nível extremo.

MK desistiu e pensou por onde poderia recomeçar, percebeu então que o início é o segundo seguinte e nada deveria ser feito enquanto o limbo não fosse superado.

Não há mais notícias de MK, a lenda mais difundida é que MK se apaixonou novamente.

24 fevereiro 2009

Carnaval e Coração

A Mocidade Alegre acabou de vencer o carnaval aqui em São Paulo, o tema foi o coração, o que levou meu pai, cardiologista, a desfilar no Anhembi pela segunda vez. Pois é, a primeira foi por conta de uma de suas paixões: a Colômbia; e dessa vez foi sua outra paixão: a profissão que exerce há 34 anos.

Trinta e quatro anos tenho eu também, e uma de minhas paixões é o Clube de Regatas Flamengo, que iniciou o carnaval 2009 deixando toda uma nação triste e decepcionada ao sofrer uma derrota para o Resende. Nunca ouviu falar nesse time? Procure no Google, mas evite a notícia do placar de sábado passado. Porém no crepúsculo dessa terça-feira de carnaval descobri algo bem inusitado.

Ali estava eu no sofá, clico no controle remoto e está iniciando um programa ótimo do SporTV, "Encontros para a História", e no encontro da vez estavam escalados Neguinho da Beija-Flor e Júnior. A conversa foi ótima, cheia de emoções (para lágrimas) e diversões (para risadas), mas foi uma resposta do Júnior que fez meu coração rubro-negro emocionadamente bater ainda mais forte.

O jornalista perguntou ao Júnior qual o momento mais marcante de sua carreira, ele responde que é comum ir para algo mais pessoal e narrou uma história que, segundo ele, nunca vai cansar de falar sobre ela. Ele estava jogando na Itália, já há uns 5 anos, e o Zico deu um VHS com várias imagens de seus gols ao filho do Júnior chamado Rodrigo.

Um dia Junior chegou em casa e seu filho estava vendo essa fita.
Rodrigo perguntou ao pai:
-Pai, quando eu vou te ver jogar no Maracanã?

Isso desabou o ídolo rubro-negro que pensou: vou voltar ao Brasil agora!
Era um momento delicado, pois Júnior estava com 35 anos, mas mesmo assim decidiu e veio jogar novamente no Flamengo.
Aí ele conta que quando o Flamengo ganhou o carioca em 1991 em cima do Fluminense e ao terminar o jogo ele foi abraçar seu filho, que chorava na beira do gramado, simplesmente esse momento se tornou um dos mais significativos pra ele.

E onde eu entro? Bem, graças ao Certo Flamenguista Rodrigo, o flamenguista aqui pôde ver o Júnior jogar ao vivo no ano de 1992, e para um rubro-negro que não viu nos gramados aquele Flamengo campeão do mundo no início dos anos 80, quando Júnior e companhia esbajavam um belissimo futebol, isso sem dúvida era uma dádiva muito grande.

Como foi bom ver o camisa 5 com todo o seu talento! E com um desfecho fabuloso: o Mengão foi campeão brasileiro de 92.

Obrigado Rodrigo, obrigado Júnior.

09 fevereiro 2009

Meninos, eu não ouvi

[Abaixo segue um texto de Reignaldo Veloso, amigo e companheiro, sobre a celebração do centenário do nascimento de Dom Hélder]

Recife, 08.02.09

Foi muito bom, foi uma graça, ter tido Dom Geraldo Lírio, Presidente da CNBB, na presidência da celebração de ação de graças pelo Centenário de Nascimento de Dom Helder Câmara, muito embora tenha sentido a ausência de Dom Paulo Evaristo Arns, de Dom José Maria Pires, Dom Thomás Balduíno, de Dom Valdir Calheiros, de Dom Clemente Isnard, de Dom Pedro Casaldáliga, Dom Orlando Dotti, de Dom Angélico Sândalo, de Dom Moacyr Greick, de Dom Erwin Kräutler, de Dom Afonso Gregori, de Dom Manoel João Francisco, de Dom Franco Masserdotti, de remanescentes da mais significativa e honrosa plêiade de pastores que esse país já conheceu, mandados por Deus, em boa hora, para resgatar a essência do Evangelho, o compromisso com o excluído, no seio de uma Igreja, que tem passado séculos tentando alargar o buraco da agulha e emagrecer o camelo. Certamente, estes evangélicos pastores não foram representados por Dom José Cardoso Sobrinho, Sua Excelência o Indesejado, cuja presença foi a nota mais destoante deste inesquecível evento.

Foi muito bom o devoto Senador Marco Maciel ter escutado da boca do Presidente da CNBB o relato bastante detalhado sobre o que significou para a Igreja e, particularmente, para a pessoa e o ministério de Dom Helder, textualmente, “o Golpe militar”, que implantou no país a mais longa e cruel ditadura da sua história, decretou o silêncio, a não existência do Bispo dos Pobres e engendrou o assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto (dia 27.05.69, o seu martírio completará 40 anos! E é bem provável que o Senador saiba quem possa ter sido o responsável).

Mas teria sido muito bom que a profética homilia de Dom Geraldo, tão explícita sobre a ditadura militar, tivesse sido igualmente explícita com relação à ditadura eclesiástica que fechou o Instituto de Teologia do Recife, o ITER, e o Seminário do Regional Nordeste 2, o SERENE 2. Sua Excelência, o arcebispo merecia ter passado pelo mesmo constrangimento que Sua Eminência, mo Senador. Pe. José Comblim, Prof. Zildo Rocha, Dom Sebastião Armando, Bispo Anglicano, Pe. Ernane Pinheiro, que estiveram à frente dessas duas importantes criações do gênio pastoral de Dom Helder, e estavam presentes à celebração do seu Centenário... o antropólogo José Maria Tavares, que chegara de Estrasburgo e fora seminarista da primeira leva do SERENE e de estudantes do ITER... os professores Degislando e Artur Peregrino, da UNICAP, que participaram das últimas turmas do ITER e do SERENE... Ir. Visitatio e Ir. Ivone Gerbara, que talvez aí estiveram, mas não cheguei a vê-las... e muitos outros e outras, padres, religiosas e agentes pastorais aí presentes... todos eles e elas mereciam ter ouvido uma palavra que, de certa forma, resgatasse o mérito de um Seminário e de um Instituto de Teologia, criados para formar presbíteros e animadores pastorais, capazes de se inserirem no meio do povo da periferia, como pobres no meio dos pobres, a fim de caminhar com eles para um mundo de dignidade, de justiça, onde todos pudessem “ter vida e vida em plenitude”, sonho de Dom Helder e, muito antes dele, do Mestre dos Mestres, JESUS.

Dom Geraldo, o senhor terá tido seus motivos ou conveniências, facilmente compreensíveis e identificáveis nos meios clericais, mas ficou devendo a nós esta profecia, porque, no seio da própria Igreja, “eu tive fome e sede de justiça e não me destes de comer, nem me destes de beber; estive nu e desabrigado, doente, perseguido, preso, e não vos solidarizastes comigo”. Mas não seja por isso. O senhor ainda tem muito chão e muito tempo pela frente. Deus o abençoe em seu ministério episcopal, à frente da CNBB.

Reginaldo Veloso, presbítero das CEBs
Assessor do Movimento de Trabalhadores Cristãos
Consultor do Movimento de Adolescentes e Crianças
Mestre em Teologia, PUG, Roma 1962
Mestre em História da Igreja, PUG, Roma 1965

e-mail: reginaldoveloso@uol.com.br

09 janeiro 2009

Ali

Lígia foi para o extremo leste daquele continente.
Lá estava pronta para um documentário fazer
Família, parentes distantes, histórias antigas e recentes
Ligia olhou para o mar.
Ficar então decidiu e montou uma banda de rock.