19 setembro 2009

Lagoa

O sol cansava a vista, toda a luz daquele momento parecia conspirar contra qualquer possibilidade de lucidez.

Um rei esperava a sua rainha. Mas que tipo de distância os separava? O rei sabia que em algum momento praticou o pior tipo de soberania sobre os protegidos de sua rainha. Fez tratados sórdidos, trocou favores escusos e tramou contra a vida de muitos que apenas tinham a própria existência como moeda de troca.

A rainha sentia o peso da humilhação.

Enxugou o suor de seus seios e ficou parada debaixo de uma árvore, seus pés latejavam de dor. Resolveu não mais seguir. Não conseguia imaginar a distância naquele momento. A rainha descansou e quis não acreditar que seu sono acontecia longe de seus ricos e confortáveis leitos, mas tudo era mais forte.

O rei mordia os próprios lábios. Na sua mão suada um pedaço de papel que ele desejou nunca ter existido começava a se umedecer. Nas linhas escritas às pressas estava uma grave advertência: que o rei não tentasse nenhum resgate, ela tiraria a própria vida.

Dramático mas honesto, pensou a rainha.

Ao acordar lembrou de cada linha que escrevera. O sol ainda ardia em sua nuca e quis refrescar os pés. Como encontraria uma lagoa naqueles rincões do reino? Não sabia o que fazer e lembrou de um provérbio que escutara quando era criança.

“A única distância entre você e o paraíso é o piscar dos seus olhos, e quando esse piscar tem a duração de um sonho, descobres que o paraíso também envelhece”.

Ela voltará, repetia o rei. Nunca se soube de onde ele tinha isso como certo, talvez a sua loucura estivesse nas suas certezas. E todos dizem que quando o sol se escondeu atrás das nuvens e um leve frescor surgiu no enorme salão, o rei gritou e expressou sua raiva golpeando fortemente sua cabeça contra a mesa de madeira.

Seguindo a trilha de sua fuga, a rainha caminhou em passos apressados. Nenhum cansaço lhe tiraria a determinação de encontrar a lagoa para seus pés. Molhou um lenço em sua testa e o sugou com toda a força de sua boca.

No salão do reino uma espessa mancha de sangue escorria pela mesa.

Na frente dos olhos da rainha nenhum paraíso surgia.

O reino estava sem herdeiros.

E por longos séculos uma rainha foi vista vagando pelos cantos mais remotos daquele reino. Sempre em dias de forte sol e calor.

2 comentários:

Alethea disse...

senti uma certa influência de herman hesse... bonito.

Unknown disse...

Seus textos me aparecem como mapas sem territórios. Você inverte a lógica, fazendo com que cada palavra valha por mil imagens.