28 janeiro 2011

Tiradentes - Dia 1 Parte Um


O dia 1 começou no dia zero.
Sob águas torrenciais cheguei à rodoviária Tietê em São Paulo para pegar o ônibus que me levaria a São João Del Rei, de onde seguiria para a cidade de Tiradentes.
Mas como todo bom dia de chuva na paulicéia, tudo parou e os horários de partida dos ônibus atrasaram significativamente.

Pouco antes da zero hora do dia 1 eu estava carregando meu celular quando uma moça perguntou se ela poderia usar meu carregador por 5 minutos. Nessa ocasião ela estava acompanhada de seu noivo, um rapaz de feições orientais, que logo depois foi embora.

Continuei ao lado do carregador e num determinado momento a moça se aproximou e fez um telefonema para a sua mãe informando o atraso do ônibus e dizendo que ficou sozinha, pois seu noivo teve que ir por conta do metrô, que logo encerraria as operações. Assim que ela desligou, uma outra moça de cabelos tingidos e voz extremamente fina, quase chorosa, brigava com o funcionário da viação, que respondia sempre com um sorriso simpático no rosto. São Paulo estava parada.

Quarenta minutos depois ouvi a noiva conversando com o noivo por telefone. Ela o questionava por não ter ficado um pouco mais, ele parecia se justificar pelo horário do metrô, mas ela insistia. Eles se despediram friamente. Fiquei observando o rosto dela, parecia desolada, mas acredito que muito de sua expressão era cansaço. A moça de cabelos tingidos novamente brigava com o risonho funcionário.

O ônibus apareceu na plataforma 4 horas depois do previsto e à 1h30min da madrugada rumei às Minas Gerais para acompanhar a 14ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes.

O dia 1 foi bastante intenso, participei inicialmente da reunião do Fórum dos Festivais, onde houve importantes debates sobre os desafios dos eventos, principalmente na relação com instituições governamentais como Ancine e SaV/Minc. Após a reunião me dirigi ao Cine Tenda para acompanhar uma sessão de curtas.

O primeiro filme foi o documentário “Aeroporto” de Marcelo Pedroso (PE), cujo início é uma moça num aeroporto observando as pessoas em volta, no restante do filme aparecem diversas experiências de viagens de pessoas distintas. Logo lembrei da minha experiência recente na rodoviária e como o fato de observar pessoas é de certa forma similar à construção de um documentário, mesmo que ele fique apenas na sua cabeça. As duas moças (a noiva e a de cabelos tingidos) viviam a experiência da inquietação. O caos da cidade e o reflexo no atraso dos ônibus geraram um ambiente extremamente hostil para ambas. Isso me fez refletir se essa inquietação era o fruto das ações de uma metrópole ou se fazia parte de algo intrínseco à personalidade de cada uma. Mas a pergunta que fica é se eu precisaria entrevistá-las para ter acesso a isso ou se basta apenas o que meus olhos registraram.

No curta de Pedroso, uma de suas forças está na dinâmica das experiências de viagens, que são histórias comuns, mas com uma intensidade que parece ser transformadora para cada pessoa que a viveu. Observamos constantemente as pessoas, mas o que fica a partir de cada observação? Acredito que muito mais do que julgamentos morais podemos avaliar o quanto cada experiência também faz parte de nós mesmos e assim avançarmos no nosso autoconhecimento.

A sessão encerrou com outro curta pernambucano: “Mens Sana in Corpore Sano”, ficção dirigida por Juliano Dornelles. Iniciando como um documentário, acompanhamos a rotina de um fisiculturista, principalmente seus treinamentos. Aos poucos temos acesso às perturbações em sua mente na rígida missão de atingir a excelência no esporte. Quando o filme se estabelece definitivamente na ficção, o espectador é levado a uma das mais inusitadas experiências.

Novamente a observação como expressivo elemento narrativo. Ao acompanharmos a rotina daquele homem, como poderíamos apreender as inquietações de sua mente? O diretor nos levou a elas diretamente, deu um passo que meus olhos jamais poderiam dar, mas eu poderia usar a imaginação, levando ou não às conseqüências apresentadas por Juliano.

Saí da exibição pensando sobre o ato de observar e se existe necessidade de ir além. Como chegar naquilo que define as angústias e inquietações, propulsoras de nossos atos? Lógico que a resposta não se encontra tão facilmente, mas novamente o primeiro e o último filme de uma próxima sessão me trariam elementos para pensar mais um pouco sobre o assunto.

Continua na parte dois (em breve)

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