10 janeiro 2011

O ringue e o rio

O que pode representar o apito final num jogo de futebol em que o nosso time joga mal e perde a partida?

Solidão. Esse apito existe para nos dizer que a partir desse momento estamos sós e o que vai nos restar são confusas conclusões, tristezas, dúvidas e muitas vezes identificações profundas. O resultado está definido e não podemos voltar atrás. Durante 90 minutos estivemos em intensas fissões nucleares de adrenalina e o nosso time é um perdedor, mais ainda, nós sabíamos que ele era um perdedor. Mas havia esperança, afinal o futebol é uma caixinha de surpresas, não é assim que costumam dizer?

Mas essa caixinha não deu o ar de sua graça para os personagens dos dois filmes dirigidos por Clint Eastwood aos quais assisti nesse início de 2011: “Million Dollar Baby” (Menina de Ouro) e “Mystic River” (Sobre Meninos e Lobos).
(Farei referência a esses filmes sempre em seus títulos originais, pois as traduções, novamente, não foram felizes)

Nos últimos anos tenho aproveitado o período entre o final de um ano e início de outro para cobrir algumas lacunas cinematográficas. O escolhido da vez foi Clint Eastwood com os dois títulos acima.

Eastwood fala de perdedores e ao longo dos filmes acompanhei as trajetórias dos personagens com plena consciência de que haveria poucas oportunidades de superação em seus problemas. Gostei muito dos finais de ambos os filmes, o apito final de Clint Eastwood me fez refletir sobre a necessidade ou não de esperanças.

Conhecemos os EUA como um país em que ser um perdedor (loser) significa quase que uma condenação a uma rigorosa e cruel exclusão social, a não ser que haja uma superação. E para haver uma real transformação na vida é preciso ter esperança? Em “Mystic River”, percebi o quanto uma ferida profunda na vida de uma pessoa pode realmente não ter perspectiva nenhuma de cicatrização, abrindo uma outra questão: como conviver com isso numa sociedade que impõe a celebração de vencedores e a subjugação dos vencidos?

Em Million Dollar Baby, a esperança parece ser uma motivadora da personagem principal, uma loser de 32 anos buscando a superação como lutadora de boxe. Porém quando isso se apresenta na oportunidade de conquistar não somente o título mundial, mas também um milhão de dólares, todo o fio de esperança se esvai. É mais fácil ser um vencido no ringue ou na crueza da vida?

Não acredito que Eastwood esteja pondo toda e qualquer forma de esperança na lata do lixo, acredito sim que com esses dois filmes ele nos ponha em contato direto com as pessoas comuns, que vivem com a missão de sobreviver, onde a felicidade e a real cicatrização de suas feridas mais se distanciam do que se aproximam.

Considero relevante o fato do personagem interpretado por Eastwood em “Million Dollar Baby” estancar rapidamente o sangue dos cortes feitos pelos socos dos adversários de seus lutadores, pois pra ele, uma ferida precisa se fechar para continuarmos lutando. Porém nas nossas vidas nem sempre é assim, logo percebemos e as lutas que enfretamos são cada vez mais desgastantes. Vejo um forte humanismo nessas obras de Eastwood e que o cinema nos leve sempre a refletir sobre nós mesmos para não levarmos para o fundo de um rio todas as nossas esperanças.

Um comentário:

Paloma disse...

Realmente não haveria definição melhor para "Mystic River", é um filme que fala de feridas e, acima de tudo, losers, que buscam sentido para a vida através da superação. O livro tem personagens secundários fascinantes, pena que a adaptação para o cinema nunca consegue explorar a complexidade de todos eles. Mas Eastwood não poderia ser mais feliz na escolha de Sean Penn para o papel. Sabe aquela impressão de não conseguir distinguir a personalidade do ator e do personagem separadamente?

Bom, sou suspeita a falar, acho o Sean Penn sensacional. Ahh, não sei se você já assistiu, mas outra atuação maravilhosa dele é em "Os ultimos passos de um homem", que super recomendo.

beijos