05 outubro 2010

Quando o Chile me afastou de Clarissa

Conheci um pouco mais sobre a revolução chilena feita por  Salvador Allende enquanto esteve no poder entre 1970 e 1973 através do livro "A Revolução Chilena", da coleção Revoluções do Século XX (editora Unesp) e escrito por Peter Winn. Foi uma experiência interessante. Ao longo das páginas fui vivenciando intensamente os momentos do 'Caminho Para o Socialismo' que Allende buscou estabelecer até a sua trágica morte.

Entre as muitas coisas que me despertaram diversas reflexões está  a sensibilidade perante uma experiência histórica. Como identificar que estamos em um processo histórico importante e que devemos realmente tomar cuidado com cada um de nossos passos? Maquiavel falava de prudência ('prudenzia' em italiano),  termo diferente do que conhecemos hoje e que consistia em uma característica de poucos, que conseguiam enxergar um pouco mais além e definir seus atos sem passos em falso, prudente não era saber evitar e sim saber agir. Mas como alcançar esse nível?


Um dos capítulos do livro é justamente 'vivendo a revolução', talvez  'viver' exija muito mais força de vontade e empenho do que 'fazer' a revolução. Um dia uma chilena chamada Esmeralda me disse que era um tempo em que eles estavam vivendo algo muito especial e não perceberam isso. Aqui eu aproximo a História de nossa percepção política.


Um dos pontos em 'viver a revolução' foi justamente a ação dos chilenos em acelerar todos os processos pensados para se alcançar o socialismo. Hoje, mais de 30 anos depois, consigo enxergar o quanto isso foi fatal para Allende, porém uma lição mais positiva é a vontade que um povo historicamente reprimido possuía em fazer valer o que considerava justo: igualdade social.


Como canalizar essa vontade? Novamente Maquiavel nos diz que para isso é necessário promover conflitos internos, duelos de posições, mas recomenda ele: que sejam promovidos com a finalidade única do bem comum, sem prejuízo à liberdade da pátria nem à ação de um agente externo. Mas isso não havia no Chile, de um lado uma classe média que pensava em seu próprio bem, do outro trabalhadores urbanos e rurais buscando seu espaço, para o bem comum, porém sem o devido debate com a classe média.


No meio estava Allende que buscou a todo custo equilibrar todos os conflitos, foi um negociador nato, mas não conseguiu segurar algo muito mais forte: os interesses dos EUA.


A política não se constrói com principes encantados, Allende não era um, assim como Lula nunca se destinou a ser. É preciso percebermos nossa trajetória histórica de um continente explorado e subjugado. E a partir dessa percepção reconhecermos os pequenos avanços que temos com propostas como foi a de Allende e então assumirmos o compromisso mais importante numa democracia: avançar ainda mais, não fugir da responsabilidade , irmos para o debate e construirmos instituições fortes que possam aos poucos promover a justiça social. É lento, não precisamos acelerar.


Me afastei de Clarissa durante três semanas, imerso nas páginas sobre a revolução de Allende, mas voltei à obra de Erico Veríssimo para junto de sua inspirada prosa enriquecer minha sensibilidade e cidadania.

Nenhum comentário: