11 novembro 2010

Duas feiras em minha vida

Em 2014, Manaus sediará a Copa do Mundo, o seu estádio é o Vivaldo Lima, conhecido como Vivaldão. Ele foi levado abaixo recentemente para a construção de uma nova arena, moderna e nos padrões europeus, mas foi aos seus arredores, no início dos anos 80, que vivi uma experiência por causa de um tomate.

No estacionamento do Vivaldão costumava existir uma feira livre, e numa noite acompanhei minha mãe, que pra lá foi fazer suas compras. Numa das barracas meus olhos deram de cara com um tabuleiro cheio de tomates, observei um deles, era bem redondo e bem vermelho, em seguida percebi que o feirante estava muito ocupado e com a minha mãozinha infantil de Deus surrupiei o encarnado tomate escondendo embaixo da camisa.

Duas barracas depois, mostrei o tomate à minha mãe, ela perguntou onde eu tinha conseguido e tentei justificar que o feirante não estava olhando. Na minha cabecinha eu havia sido esperto, muito bom em fazer algo sem ninguém ver... Doce ilusão.

Foi uma das broncas mais duras que recebi da minha progenitora. Lembro que ela ficou muito nervosa e me arrastou para devolver o tomate. Fiquei arrasado, mas foi uma lição que levei pro resto da vida.

Mal sabia eu que, pouco antes de chegar aos 36 anos de idade, uma outra feira também me traria boas reflexões, dessa vez sem tomates e sim por conta de um rapaz vestido com samba-canção e gravata.

Um dos grupos das Oficinas Kinoforum/Grajaú elaborou um roteiro onde um cara buscava sair dos padrões através do seu vestuário. A idéia era abordar de forma irônica e divertida o tema do cotidiano com suas mesmices e padronizações. E uma das situações era esse personagem caminhando pelas ruas vestido de samba-canção, gravata e tênis.

O personagem principal foi interpretado por um dos alunos do grupo, o Ramon, que topou o desafio sem nennhuma restrição. Eles resolveram gravar uma cena em que o personagem atravessava uma feira livre no bairro do Grajaú. Acompanhei de perto essa gravação e presenciei uma reação no mínimo selvagem por parte dos feirantes que xingaram o Ramon com os palavrões de mais baixo nível possível.

No dia da exibição dos vídeos houve um pequeno debate e Joaquim, outro aluno desse grupo, comentou o que aconteceu na feira acrescentando que aqueles feirantes muito provavelmente vão pra casa pregando a liberdade, mas que suas reações hostis revelaram o contrário, no fundo não estão abertos a uma verdadeira liberdade de expressão e que essa gravação na feira fez com que o grupo tivesse certeza de que estava no caminho certo sobre o assunto que trataram no filme.

Como professor dessa oficina foi uma satisfação verificar o quanto o processo foi importante para esses alunos, eles se expressaram com liberdade e cresceram internamente com isso. Parabéns ao grupo formado por Joaquim, Katharine, Mariane e Ramon.

Um comentário:

Camila Lima disse...

Parabéns pela reflexão que eles tiveram do ocorrido. Sou fã das Oficinas.