01 novembro 2010

Desindividualizar

Sempre gosto de observar o primeiro plano de um filme, a cena que abre a narrativa. Gosto de sentir uma pulsação interna toda vez que do quadro escuro surge essa imagem de boas vindas. O primeiro filme que vi na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi "Turnê", de Mathieu Amalric (França), que recebeu o prêmio de melhor direção em Cannes 2010. A tradução literal desse prêmio é 'melhor mise-en-scène', portanto fui à sessão com a expectativa de saber como o diretor desenvolveu os elementos narrativos de sua história.

Eis que vem o primeiro plano. Nos primeiros 10 segundos me perguntei como que alguém que inicia o filme daquela maneira conseguiu o prêmio em Cannes, mas após esses 10 segundos compreendi da melhor forma possível o porquê. A initimidade de um camarim de artistas burlescas é divinamente apresentado com um enquadramento digno de nota 10. Sem firulas ou efeitos, o quadro tem uma composição que transmite ao espectador a sutileza da relação daquelas mulheres com seus corpos, não sabemos nada ainda sobre elas, mas estamos devidamente apresentados a algo não comum... aparentemente.

Tudo muito simples, um plano apenas, sem cortes e que aos poucos vai se formando com a entrada das atrizes. O filme me cativou de imediato.

Daí em diante, "Turnê" foi uma das obras mais contundentes que vi nos últimos anos. Seus 110 minutos me fizeram pensar que entramos numa era onde o individualismo foi superado por algo muito mais perverso. As relações são minimizadas a um ponto em que nada que não seja exclusivamente do interesse pessoal de um individuo pode sobreviver e mais, precisa ser necessariamente destruído. O filme navega nessa questão e não abre concessões, os personagens e as complexidades de seus dramas são expostos sem a necessidade de compaixão.

Considero tudo isso muito atual, sinto diariamente que o automatismo das pessoas, das informações e das coisas transcendem o individualismo. É necessário parar e buscar um firmamento nas relações entre todos nós. Gostaria muito de falar do final do filme, mas deixarei em suspenso nesse texto. Relacione-se sem medo e solte um grito quando enfim sua música preferida ecoar sobre a decadência.

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