Era um escritório da pastoral do imigrante, numa paróquia no bairro do Glicério, em São Paulo. Na sala de espera vários imigrantes, em sua maioria vindos da Bolívia e Paraguai, aguardavam o atendimento com a esperança de encontrar uma solução para seus problemas.
Havia um pré-atendimento no qual um padre muito simpático e sorridente conversava com cada um para analisar seus casos e documentações antes da entrevista com a advogada. O calor tomava conta da sala e um ventilador antigo, mas potente, tentava dar conta do refrescamento local. Um homem de aproximadamente 30 anos, feições indígenas, calça jeans surrada e com um semblante preocupado se levanta e senta à mesa. O padre ensaia abrir um sorriso mas logo percebe alguma coisa.
Por alguns segundos os dois ficaram se olhando, sem palavras. As mãos do imigrante estavam juntas e com os dedos entrelaçados, seus ombros eram caídos e pareciam expressar cansaço. O som ambiente eram vozes conversando em tom baixo, o barulho suave da hélice do ventilador e o distante tráfego de carros na Radial Leste. Mas o silêncio entre os dois homens parecia absorver tudo. Enquanto eu pensava que ali havia o silêncio de uma alma, o padre perguntou:
-Quieres sobrevivir, no?
Essa mesma pergunta parecia estar sendo feita aos personagens do filme "Animal Town", de Jeon Kyu-hwan (Coréia do Sul). Dois homens em luta constante com suas angústias mais internas que parecem transformá-los em dois seres não adaptados a um cruel e opressor sistema de leis e normas da sociedade. Percebi que qualquer luta pela sobrevivências está sujeita não somente ao ambiente externo mas também às sombras mais ocultas de nossas personalidades.
A Coréia do Sul em "Animal Town" vive uma grave crise econômica e o papel do Estado é refletido como um ser ausente, que se limita a saber dos seus reais problemas mas parece amarrar as próprias mãos para não agir de forma incisiva. O forte do filme é que esse painel social não vitimiza os personagens, mostra que sobreviver é difícil e quando os nossos conflitos internos não se resolvem nem através de medicação (em um personagem) nem através da religião (no outro personagem), o chão parece ruir e apontar uma questão: compreender a sobrevivência em sociedade é aceitar o hibridismo das relações que temos com nós mesmos e as relações que estabelecemos com os semelhantes?
O silêncio entre o padre e o imigrante foi significativo, principalmente porque talvez tenha sido a primeira vez em muito tempo que alguém olhou diretamente nos olhos daquele estrangeiro.
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