05 novembro 2010

Animal Town

Era um escritório da pastoral do imigrante, numa paróquia no bairro do Glicério, em São Paulo. Na sala de espera vários imigrantes, em sua maioria vindos da Bolívia e Paraguai, aguardavam o atendimento com a esperança de encontrar uma solução para seus problemas.

Havia um pré-atendimento no qual um padre muito simpático e sorridente conversava com cada um para analisar seus casos e documentações antes da entrevista com a advogada. O calor tomava conta da sala e um ventilador antigo, mas potente, tentava dar conta do refrescamento local. Um homem de aproximadamente 30 anos, feições indígenas, calça jeans surrada e com um semblante preocupado se levanta e senta à mesa. O padre ensaia abrir um sorriso mas logo percebe alguma coisa.

Por alguns segundos os dois ficaram se olhando, sem palavras. As mãos do imigrante estavam juntas e com os dedos entrelaçados, seus ombros eram caídos e pareciam expressar cansaço. O som ambiente eram vozes conversando em tom baixo, o barulho suave da hélice do ventilador e o distante tráfego de carros na Radial Leste. Mas o silêncio entre os dois homens parecia absorver tudo. Enquanto eu pensava que ali havia o silêncio de uma alma, o padre perguntou:

-Quieres sobrevivir, no?

Essa mesma pergunta parecia estar sendo feita aos personagens do filme "Animal Town", de Jeon Kyu-hwan (Coréia do Sul). Dois homens em luta constante com suas angústias mais internas que parecem transformá-los em dois seres não adaptados a um cruel e opressor sistema de leis e normas da sociedade. Percebi que qualquer luta pela sobrevivências está sujeita não somente ao ambiente externo mas também às sombras mais ocultas de nossas personalidades.

A Coréia do Sul em "Animal Town" vive uma grave crise econômica e o papel do Estado é refletido como um ser ausente, que se limita a saber dos seus reais problemas mas parece amarrar as próprias mãos para não agir de forma incisiva. O forte do filme é que esse painel social não vitimiza os personagens, mostra que sobreviver é difícil e quando os nossos conflitos internos não se resolvem nem através de medicação (em um personagem) nem através da religião (no outro personagem), o chão parece ruir e apontar uma questão: compreender a sobrevivência em sociedade é aceitar o hibridismo das relações que temos com nós mesmos e as relações que estabelecemos com os semelhantes?

O silêncio entre o padre e o imigrante foi significativo, principalmente porque talvez tenha sido a primeira vez em muito tempo que alguém olhou diretamente nos olhos daquele estrangeiro.

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