02 dezembro 2013

Torre entre as pedras

Os pés descalços caminham pelo piso gelado da cozinha, o esmalte de suas unhas está corroído e ela sabe que sua preocupação com a própria vaidade tem sido quase nula nas últimas semanas, a exceção é a sua boca, que pode contar com um batom quase sempre.

Estranhamente ela encontra quatro pedras sobre a mesa, são pequenas, escuras e leves. Como é que foram parar ali? Pergunta a si mesma. Decide levá-las para a sala, havia pensado em jogá-las fora, mas acredita que podem combinar com a torre eiffel que uma amiga lhe trouxe, apesar dela detestar esse tipo de lembrancinhas de viagem.

A pequena torre eiffel de plástico fica soterrada pelas pedrinhas, como naqueles filmes apocalípticos. Ela ri, gosta da sua invenção, pois enxerga um sentido naquela composição de objetos. Enfim, é o sentido que a sua vida está tomando, alterar as ordens das coisas, desestagnar-se.

Mas será que ela está seguindo à risca esse rumo? Ela reconhece que coisas muito mais importantes que a decoração de sua casa precisam ser reordenadas. Não sentir a obrigação de ter um namorado é uma delas, o amor precisa ser repensado, apesar de que muitos acreditam que ele precisa ser redefinido. Quantos rês! Ao sorrir para a torre entre as pedras, ela conclui que não deseja se redefinir, apenas tirar algumas coisas da ordem.

Jogados ao lado do sofá estão papéis que precisam ser lidos para que assuntos avancem no escritório onde trabalha. Ela começa a rasgar folha por folha como se aquilo fosse terapêutico. De frente para o amontoado de papéis rasgados, ela começa a chorar. Acredita que mergulhou numa loucura, sente medo. Liga para uma amiga. "Por que você não faz uma viagem?", pergunta a amiga no esforço de aliviar a situação e recebe como resposta um 'como você é tola!'

Desprezando seu medo, ela quer que sua loucura seja mais profunda e procura mais pedras pela casa.

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