19 dezembro 2013

Muito além de um chester.

Boa parte da população clama por melhor educação no Brasil, a educação é vista como a solução de todos os nossos males sociais, econômicos e históricos. Concordo, porém não entrarei aqui nas linhas mais duras e delicadas dessa questão, que considero que vai além de ser um discurso quase uníssono, o objetivo aqui é repassar a indignação de uma professora do estado do Amazonas, que com certeza lança mais lenha na fogueira sobre o debate de qual 'melhor educação' estamos querendo.

M. adora dar aulas de química orgânica aos seus alunos

Fim de ano.

2013 chega ao fim e a secretaria de educação do estado do Amazonas, conhecida como Seduc, presenteia todos os professores com chesters para que os educadores possam desfrutá-los nas ceias e confraternizações das 'boas festas'. Porém, a distribuição é feita por escola e não por uma lista geral de todos os professores da rede, assim alguns educadores aparecem em mais de uma lista do benefício, uma vez que dão aulas em diversas escolas.

M., professora há quase quarenta anos, recebe dois chesters, não questiona a duplicidade do presente natalino, pois se seu nome estava nas duas listas, obviamente ela acreditou que isso era uma determinação da própria Seduc. Porém a diretora de uma das escolas em que M. leciona, resolveu fazer uma investigação, por dias telefonou para outros professores amigos de M. assim como para a diretora da outra escola, sorrateiramente buscou saber se M. havia recebido duas unidades do chester da Seduc.

Numa manhã, na sala dos professores, a diretora detetive se aproximou de M. e lhe deu uma lição de moral na frente de outros docentes, informando que não era correto uma professora ficar com dois chesters, não foi uma conversa, foi uma bronca humilhante. M. devolveu os dois chesters no dia seguinte às escolas, a indignação pela humilhação e despreparo da diretora da escola em abordá-la foi realmente triste.

M. tentou explicar que não agiu de má fé, não sabia da limitação de apenas um chester por professor, descobriu casos semelhantes de professores que também passaram pela mesma situação e foram levados a devolver. Ela cita ainda que alguns de seus colegas que estavam presentes na bronca que ela levou, também haviam recebido duas unidades, porém sem a investigação da diretora.

M. ficou muito triste. O chester não lhe faz a menor falta, o que lhe faz falta é um reconhecimento adequado de sua profissão. Quase todos que gritam por uma melhor educação, conhecem as condições precárias de trabalho dos professores das redes públicas de ensino. E hoje a dificuldade não é somente material.

M. relata o que vê nos celulares de seus alunos com menos de 16 anos, brigas, sexo, maconha, videos e fotos com traficantes. M. comenta sobre a dificuldade em fazer um aluno com menos de 16 anos valorizar o ensino que está lhe sendo oferecido. M. fala de seu esforço diário em motivar alunos com problemas diversos, os quais sempre esbarrados na esfera econômica e social, resultado de todas as nossas desigualdades e injustiças sociais.

Mais triste ainda é verificar a insensibilidade de nossos gestores. A propaganda de que a gestão pública é legal com a entrega de chester contrasta com a ineficiência de organização interna, da inabilidade de uma diretora de escola em contornar o erro institucional. Tudo que os alunos de M. precisam superar diariamente por conta de um ensino precário se estabelece na insensibilidade da gestão, da diretora, da Educação (sim, com E maiúsculo).

Paremos de ser hipócritas e repetir discursos comuns, busquemos uma sociedade mais fraterna, que a educação não passe por excelência de ensino somente, mas por humanismo nas relações. Paremos de achar que Coréia do Sul e meia dúzia de países que espoliaram o mundo são referências para a nossa educação, busquemos as referencias no nosso próprio estômago faminto, pois assim compreenderemos melhor as injustiças sociais e impulsionaremos a humanização para além do individualismo e do nefasto caráter meritório da cultura capitalista decadente em nossas peles.

“É porque podemos transformar o mundo, que estamos com ele e com outros. Não teríamos ultrapassado o nível de pura adaptação ao mundo se não tivéssemos alcançado a possibilidade de, pensando a própria adaptação, nos servir dela para programar a transformação.” (Paulo Freire)

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