26 setembro 2006

Do coloquio a reflexao

Para quem ainda não conhece todas as minhas facetas, entre várias atividades que exerço está o estudo de filosofia, sou graduado nesta área e no momento estou fazendo mestrado em filosofia política, o objeto do meu estudo é a corrupção em Maquiavel. Faço o mestrado na Universidade São Judas Tadeu, e esta semana ocorre por lá o Simpósio Multidisciplinar, evento que conta com simpósios e palestras das diversas áreas de estudo da universidade.
Ontem, numa segunda-feira fria e tipicamente paulistana, ocorreu o II Mini Colóquio: As Margens da Filosofia, que teve apresentações de três professores da São Judas: Eunice Ostrensky, Hélio Salles Gentil e Paulo Jonas Lima Piva. O objetivo deste colóquio é a exposição de outras áreas que podem promover a reflexão em filosofia, mesmo que não estejam diretamente associadas ao estudo de filosofia.
A Profa Eunice, que me orienta no mestrado, fez uma exposição acerca do Rei Lear, texto daquele meu xará inglês, o Shakespeare, o Prof. Hélio falou de Cortázar e o Prof Piva fez uma inflamada apresentação do filósofo francês Michel Onfray. Será impossível expor aqui todo o conteúdo das três apresentações, ou até mesmo elaborar um texto que possa dar conta de todas as nuances do que foi falado por lá, mas colocarei dois detalhes que me chamaram a atenção.
Primeiro foi o fato de que os três comentaram sobre, isto já na minha óptica, fuga. Fugir não no sentido negativo, de abandono, e sim de fugir para buscar algo novo. A Eunice trouxe algumas considerações interessantes sobre a tragédia do Rei Lear nas quais o excesso de poder de um rei pode se tornar um elemento desestabilizador da ordem, o estado das coisas esteabelecido pelas relações na família do rei se torna um câncer à medida que tudo é colocado à prova. Ao se buscar o rompimento desse estado das coisas, o que se apresenta é uma descida ao inferno, tudo se desfaz, inclusive a razão. Verifico nisto que a fuga se deve dar antes que, através da razão, possamos nos dar conta que um vicioso estado das coisas se estabeleceu.
Cortázar, autor que é uma lacuna no meu repertório literário, por si só desperta curiosidade, mas na exposicão do Hélio ganhou uma dimensão peculiar. Um dos pontos levantados foi sobre uma 'constante lúdica' e 'um lançamento ao aberto', que pode ser verificado nos textos de Cortázar. Isto pode também se configurar como uma fuga, uma disposição ao lúdico que permite que o conhecimento de mundo fuja de padrões, que se rompa com o estado das coisas à medida que a imaginação possa permitir. E isto nos dá uma dimensão do que é se admirar com o mundo pela primeira vez, mas pra isso acredito que devemos nos permitir, exercitar o ato de se lançar ao aberto. Podemos fugir sim, sempre que possamos causar rupturas para o novo. A exposição do Hélio termina com uma frase curiosa :"deixar os cronópios nos abrir as portas da admiração". Não se pergunte o que é cronópio, apenas deixer que ela abra a porta.
Após um breve intervalo, sobe no púlpito, convidando para a mesa o espítiro do Marques de Sade, o Piva com uma apresentação inflamada sobre o ateísmo militante de Michel Onfray. Outra vez me permito enxergar um comportamento de fuga, configurada pela não aceitação da ordem estabelecida pelas religiões monoteístas, o que é uma porta que se abre, é acima de tudo se permitir desfrutar de você mesmo e dos seus semelhantes, sem restrições de ideais ou culpa. Mas o que me chamou a atenção está associado ao segundo ponto que eu gostaria de levantar, que são as nossas possibilidades de absorver um mundo moldado por paradigmas sempre estabelecidos por conta de uma manipulação.
Se Shakespeare pretendia expor sua visão sobre a sórdida realidade, e se Cortázar pretende extrapolar qualquer realismo e se Onfray luta por uma nova ordem, isso tudo nos faz enxergar que a história da humanidade é uma história da manipulação, o que pra mim não é uma novidade, mas faz crer que o inferno se estabelece como regra. Então o ato de fugir é não uma reação e sim uma ação natural do homem, a reação se estabelece nas resistências às fugas.
Talvez eu tenha viajado demais, mas o teatro, a literatura e a própria filosofia apontaram para uma fuga, ou melhor, abriram uma porta como sempre fazem, cabe agora eu admirar!

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