29 outubro 2013

Entre ratos e famintos

Com uma colher aquele rapaz de uns vinte e poucos anos, negro, de aspecto encardido e usando roupas surradas, devorava uma galinha ensopada num pequeno prato fundo. Chegamos e nos sentamos na mesa ao lado. Gosto daquele bar, pequeno, proprietário atencioso, poucas mesas na calçada, cerveja barata e uma vista não bonita para um trecho Bela Vista, mas agradável e que com a calma da rua transmite pra mim um boa tranquilidade no espírito.

O dono, um nordestino do Piauí, já sabe a minha preferência de cerveja e trouxe uma bem gelada, logo em seguida, ele foi até a mesa do rapaz e recolheu o prato sem sobras. O rapaz agradeceu e desceu a rua para seguir seu destino que pelo menos por enquanto não lhe maltratava com a fome. Reconhecemos como um gesto nobre e humano por parte do dono do bar aliviar a fome alheia e conversamos a respeito durante a primeira cerveja.

Ela me disse que possuía dificuldades em lidar com pessoas em situações de rua, não consegue uma aproximação tranquila e busca trabalhar espiritualmente para superar essa questão. Conversamos sobre culpa, medos e como nos relacionamos com os problemas sociais.

Durante a terceira e última cerveja, meus olhos se fixaram num canto da sarjeta junto à calçada do bar. Ela me observou e depois virou o rosto na mesma direção. Um rato de esgoto correra para dentro da boca de lobo. Ela me olhou, nitidamente incomodada com o que vira. Por outro lado, ela sabia que ali, independentemente de famintos e ratos, era um local por mim adotado, onde muitas vezes solitariamente sentei apenas para deixar os pensamentos fluírem, ouvir conversas de desconhecidos, meditar.

Fiquei um tanto constrangido, obviamente, mas sem culpa, pois nessa noite tudo que experimentamos nesse bar, principalmente as nossas conversas, me fez ter a certeza de o quanto é bom tê-la por perto.

Nenhum comentário: