31 outubro 2013

As vizinhas abandonadas

De que modo poderíamos pensar naquela separação? De um lado, desejos, impulsos e vitalidade; do outro, simplicidade, humildade e busca interior. Mas haviam porões desconhecidos, invisíveis como cada uma caracterizava os seus cômodos escondidos.

Como é pretensiosa a humanidade quando ela mesma julga que existem coisas inseparáveis, o próprio tempo abandona e corrói todas as relações.

Se a janela lhe permitia observar o mundo e alimentar os desejos, ela acreditava também que a porta seria o que lhe levaria para o desconhecido. Mas tudo que podia ver era um entra e sai, histórias que reverberavam ao seu redor, algumas mais interessantes que outras.


Se a porta não lhe fornecia a liberdade desejada, corria para o seu porão, onde vivia seu mundo de inquietações.

A infância era um passado assim como as incertezas da adolescência, restava-lhe esse vigor dos vinte anos, permitir-se ao perigo, a tudo que pudesse lhe negligenciar a responsabilidade. No porão nutria sua verdadeira essência. Perversões do corpo e da alma.

Até que um dia ficou apavorada com a repugnância que sentia de todos que conhecia, buscou aliviar iluminando o escuro do porão e dizendo a si mesma que aquilo era mera vontade de conhecer outras pessoas e lugares. Porém a luz que acendeu revelou algo a mais.

Num canto havia uma porta. Seria essa a verdadeira porta para a sua vida?

Desbravadora, avançou, abriu a porta e de imediato não entendeu exatamente o que vira. Havia encontrado um outro porão, muito semelhante e apenas aparentemente mais arrumado que o seu. Resolveu fuçar. Mexeu nos objetos, leu cartas empoeiradas, viu fotos gastas, encantou-se. A porta fechou com toda a força atrás de si. Um frio percorreu seu corpo, estava trancada num porão alheio.

Horas se passaram e ela adormeceu.

Acordou com uma mão feminina empurrando a sua testa. Ela levantou num pulo e percebeu o rosto familiar. As duas começaram a rir. Por um tempo ficaram conversando sobre seus escondidos templos, a diferença de idades forçou um apelido à dona desse porão: Caçula.

A verdadeira essência da Caçula buscava caminhos para o seu interior, ela havia perdido a fé, tanto em Deus quanto nela mesma. No seu porão ela poderia não ser forçada a acreditar em algo, experimentava a si mesma.

Conversavam longamente. A discussão tomava rumos diversos, pra começar, o que elas poderiam compreender como opressão. A porta para voltar ao outro porão nunca mais se abrira e a sua dona começava a já não se reconhecer mais, percebia que vivia em função da outra.

Elas haviam perdido a noção do tempo de suas vidas e sabiam que precisavam tomar uma decisão. Sim, iriam se separar, um porão não poderia lhes unir para sempre.

Livres e errantes, foram viver longe daquelas casas abandonadas.

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