13 fevereiro 2012

O futebol nasce torto e sem tapete

O trapézio, não aquele feito para voar embaixo das lonas circenses, e sim aquele das aulas de geometria, possui dois lados congruentes e isso o difere fortemente de um retângulo, cujos lados precisam ser paralelos. Essa não congruência dos lados de um retângulo leva ao jogo de futebol a formação ideal para o seu palco, onde artistas, talentosos ou não, desenvolvem suas habilidades, boas e ruins, com a bola.

 
No segundo domingo de fevereiro de 2012, fui ao Itaú Cultural em São Paulo e me deparei com uma obra que me tocou um bocado. Na parede estavam expostas três fotos grandes que traziam o registro de três campos de futebol de várzea. A menos de um metro desses quadros se encontrava um tablado de madeira e em cima dele um arquivo, também de madeira, aberto e com as suas tradicionais subdivisórias de letras.

Fucei no arquivo e fui direto na letra ‘W’. Lá haviam alguns papéis dobrados, escolhi um a esmo e quando o abri vi que era a foto áera de um campo de futebol de várzea, trazendo no rodapé o nome do que supus ser o bairro, região ou cidade onde tal campo se encontra. Percorri as demais letras e encontrei outras visões aéreas desses redutos do futebol brasileiro.

Inicialmente, eu pegava uma foto, desdobrava e após admirar dobrava novamente e a devolvia ao arquivo de madeira. Mas fiquei tão instigado com aquelas fotos que comecei a abri-las e espalhá-las pelo tablado de madeira, montando a minha exposição de fotos de campos de futebol de várzea.

E eis que pude perceber os expressivos trapézios.

É incrível como a demarcação das quatro linhas dificilmente sugeria algum paralelismo. E logo pensei que, se ali está o nascedouro dos nossos craques, portanto é um nascimento torto e que felizmente não assassina, apesar de maltratar, o talento de alguns deles.

Porém outra questão, talvez filosófica, surgiu. Penso que os valentes jogadores desses campos acreditam que expressam seus dons futebolísticos dentro de um retângulo. A visão aérea em suas mentes é de um retângulo. O que isso significa? Não sei, é uma das viagens que tive olhando para aquelas fotos em cima do tablado de madeira.

Outra viagem foi perceber que nesses rincões do futebol amador não há tapetes. O campo não desfruta de plantações de grama, é terra e somente terra. O que me fez pensar o quanto arenoso se torna o esporte bretão, algo rústico, mas também cruel. O convívio do futebol com a sordidez de seu palco pode limitar alguns craques inspirados, mas invariavelmente nunca acabará com a alegria de um gol marcado.

A arte do futebol não precisa de linhas paralelas e nem de um bom piso, precisa de alegria e vontade.

Sejamos artistas!

Um comentário:

Amanda Galvíncio disse...

Seu texto me fez lembrar "O Futebol" de Portinari, quando dava aula para crianças de 6 anos, trabalhava com um projeto chamado "O brincar" e nossa brincadeira como sugeria o próprio título começava pelo futebol!!! Muito legal tua percepção...bjos