02 fevereiro 2012

Ferramenta

Uma das características de um cinéfilo é ir ao cinema por causa de determinador diretor, tudo que importa é que o cara fez outro filme e agora precisa ser visto. Foi com esse espírito que me dirigi ao cinema para assistir a “Os Descendentes”, estrelado por George Clooney e dirigido por Alexander Payne.

O filme anterior desse diretor, “Sideways”, foi arrebatador pra mim, acredito que numa simples história winemovie, ele conseguiu carregar sérias questões sobre os valores que nesse início de século começam a se tornar cada vez mais cruéis. E justamente por ter absorvido na narrativa o tom da crueldade e expor uma espécie de beco sem saída no qual se tornou a miséria humana, que considerei “Sideways” um filme marcante.

Em “Os Descendentes” considero que faltou coragem em levar a cabo a miséria humana e suas profundas cicatrizes. Há no enredo um terreno fértil para encarar de frente, e sem maquiagens, o que se produz de podre nas relações afetivas e econômicas, mas o solo foi pouco explorado.

Particularmente busco contextualizar os filmes com a sua época. “Sideways” foi realizado durante um governo Bush que teimava em se sustentar como protetor do mundo e consolidava seu desprezo cruel com os seus cidadãos mais comuns. “Os Descendentes” está num governo Obama, que apesar de uma crise crônica, parece jogar com a esperança.

Justamente o que faltou a Payne foi questionar a esperança sem a mínima compaixão.

Ele até ensaia esse questionamento, no melhor momento do filme e de George Clooney, mas abandona. Esse abandono esquarteja o filme e o transforma num drama de superação num estilo “Yes, we can” (Sim, nós podemos).

Que pena.

O século avança, temos condições melhores de vida do que há 100 anos, mas os desafios aumentam e não podemos atenuá-los com a esperança; cabe salientar que não precisamos exterminar qualquer forma de esperança, e sim guardá-la como uma ferramenta, não como uma solução.

Um comentário:

Ciro Hamen disse...

muito bom, william. mas acho que gostei mais do filme do que você, hehehe. falei um pouco sobre ele aqui: http://www.omsantos.com.br/cinema/index.php?cod=8422

abraços!