16 dezembro 2008

A Janela de Bogdanovich

Num desses fins de ano em que passei em São Paulo busquei aproveitar o tempo para conhecer um período do cinema americano um tanto obscuro pra mim: os anos 70. Conheço uma certa filmografia dessa época como os filmes de Scorsese, Kubrick, Woody Allen, Spielberg, Altman, entre outros, mas queria ir além e conhecer outros filmes e diretores. A motivação para esse estudo surgiu quando assisti aos extras de Touro Indomável, onde em um determinado momento se comenta que muito provavelmente alguns anos depois de sua realização (1980) nenhum estúdio toparia produzi-lo. Será que este filme, além de ser uma das obras mais expressivas de Martin Scorsese, também estaria marcando o fim de uma era dentro do cinema americano? Isso talvez possa ser melhor digerido ao ler o livro "Easy Riders, Raging Bulls" de Peter Biskind, no qual ele aborda esse período dos anos 70 do cinema americano que na verdade tem sua gênese já no final dos anos 60. Longe de fazer uma análise detalhada desse período ou tentar um denominador comum entre os filmes, buscarei aqui expor um pouco de minhas impressões através de um filme de Peter Bogdanovich chamado "A Última Sessão de Cinema" (1971).

Nova-iorquino, filho de imigrantes sérvios, Bogdanovich inicou sua carreira programando filmes no MOMA de Nova York e também como critico de cinema, inspirado, não por acaso, nos ventos que chegavam na América a partir da Nouvelle Vague francesa. Aos 32 anos dirigiu "A Últiima Sessão de Cinema", um filme que se passa numa pequena cidade dos EUA no início dos anos 50, e que traz em sua narrativa as experiências vividas por jovens principalmente nas suas descobertas sobre sexo e amor. A cidade, situada no Texas, está em pleno declínio, e o vazio e a melancolia tediosa se manifesta no único cinema que ali existe e que está às vésperas de seu fechamento, causado principalmente pelo advento da televisão. Toda essa atmosfera de abandono e decadência está expressa na fotografia em preto e branco do filme, mas também nas relações entre seus personagens. Os adolescentes são os protagonistas, que ao investirem em suas descobertas encontram castelos de areia, que se desmancham pela falta de consistência gerada principalmente pelos valores que aquela pequena comunidade impõe aos seus habitantes, baseados na hipocrisia e numa falsa moral. Os adultos, coadjuvantes na história, representam a decadência em si, todas as perspectivas de suas vidas não extrapolam os limites daquela cidade que definha lentamente e promove distâncias entre as pessoas.

É um corte na montagem do filme que me chamou a atenção pelo seu significado dentro de toda a narrativa. Jeff Bridges interpreta Duane, um jovem inconseqüente que flerta desde o início com Jacy, interpretada pela jovem Cybill Shepherd, e que faz parte da elite da cidade. Chega o aguardado momento em que irão para a cama pela primeira vez, fato que gerara em Duane uma forte expectativa por se tratar de uma conquista comparável à vitória de um campeonato, principalmente por causa de sua condição social, inferior à dela. Eles se encontram em um simples motel, as amigas de Jacy aguardam ansiosamente do lado de fora. Porém a medida que as coisas evoluem dentro do quarto, Duane percebe que Jacy não corresponde em nada ao que ele esperava daquele encontro, e ela ao perceber que ele se frustrara, revolta-se e surge uma discussão na qual Duane não encontra argumentos e deixa o quarto. Ao sair, ele passa pela amigas de Jacy com um semblante de satisfação, as moças então adentram no quarto e encontram Jacy descabelada, enrolada no lençol e simulando que fora algo maravilhoso. Logo em seguida vemos vários jovens da cidade num coral na escola cantando em tons firmes uma canção de exaltação ao estado do Texas. Essas duas cenas justapostas, a hipocrisia de uma jovem perante as amigas e o hino a uma honra perdida no tempo, conseguiu resumir toda uma afirmação de valores decadentes da sociedade americana, que no início dos anos 70 estavam sendo questionados com toda força pelos jovens cineastas que então surgiam e traziam para as telas personagens como Duane e Jacy, cidadãos americanos sem glamour, pessoas comuns de cidades comuns e que vivenciam seus dilemas imersos em um vazio propiciado pelas exigências da sociedade para que eles sejam quem ela deseja que eles sejam e não eles mesmos, com seus defeitos e angústias.

Bogdanovich faz parte de uma geração que nos trouxe excelentes diretores como Scorsese, Terrence Malick, John Schlesinger, Cassavetes, cujos filmes desse período buscavam uma reflexão mais profunda da América em sua volta, cada filme era questionador, o que enriquece a função do cinema como uma janela para que possamos nos lançar no autoconhecimento e assim pensar no que realmente é preciso para transformar não somente a sociedade, mas também nossas relações mais próximas com os que nos cercam.

A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show), EUA, 1971.

Um comentário:

revista taturana disse...

grande william,

seu texto sobre o bogdanovich foi publicado na revista taturana. dá uma olhada:

http://revistataturana.blogspot.com/2008/12/last-picture-show-peter-bogdanovich.html

abração,
rodrigo